Newsletter do Farol #4 – Destaques (positivos e negativos) da COP28
Um olhar atento e crítico às notícias sobre a COP28 é fundamental para entender o que de fato são avanços, o que são boas ideias, o que são compromissos voluntários e o que é greenwashing
Desde a última quinta-feira (30/11), os olhos do mundo estão voltados para Dubai, onde acontece a 28ª Conferência anual das Nações Unidas sobre o clima, a COP28.
O objetivo do encontro é definir caminhos para enfrentar a crise climática, limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius, ajudar comunidades vulneráveis a se adaptar aos efeitos das mudanças do clima e zerar emissões líquidas de carbono até 2050.
Cercada de polêmicas desde o início (especialmente por ter como presidente Al Jaber, que também é CEO da estatal petroleira dos Emirados Árabes), a COP28, que vai até o dia 12 deste mês, já gerou diversas manchetes nos principais veículos de notícias do mundo, e os primeiros rascunhos do relatório final da conferência já começaram a ser produzidos e divulgados.
Um olhar atento e crítico é fundamental para entender o que de fato são avanços, o que são boas ideias (mas, ao menos por enquanto, não passam muito disso), o que são compromissos voluntários que podem não se transformar em ações acompanháveis e mensuráveis e o que é greenwashing.
E é isso que essa edição da Newsletter do Farol se propõe a fazer.
Boa leitura!
Editora A Economia B e Cofundadora do Farol da Economia Regenerativa
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Você sabia que…
Lobistas de combustíveis fósseis receberam mais passes para a COP28 do que todos os delegados dos dez países mais vulneráveis às mudanças climáticas combinados?
De acordo com a Kick Big Polluters Out (KBPO), aproximadamente 2.400 pessoas ligadas às indústrias de carvão, petróleo e gás se registraram para as conversas climáticas do encontro. Quase quatro vezes mais do que no ano passado.
A análise da coalizão de grupos ambientais aponta ainda que há significativamente mais lobistas de combustíveis fósseis do que quase todas as delegações de países. Eles só são superados pelos 3081 brasileiros presentes e pelos 4409 representantes dos Emirados Árabes Unidos que participam desta que é a maior conferência climática já realizada – a presidência da COP28 estima a presença de 70 mil pessoas.
“Compartilhar assentos com os grandes poluidores em conversas sobre mudanças climáticas é jantar com o diabo. Essa união profana só endossará conflitos de interesses e facilitará ainda mais o silenciamento da agitação honesta. As conclusões da COP devem ser independentes das influências parasitárias das indústrias e devem abordar apenas as preocupações das massas vulneráveis”, analisa Ogunlade Olamide Martins, membro da KBPO.
Curadoria do Farol
Operacionalização do Fundo de Perdas e Danos é a grande notícia da COP28 até o momento
Uma decisão histórica foi comunicada na sessão de abertura da COP28: países do norte e do sul global chegaram a um acordo sobre as regras de funcionamento do fundo para financiar perdas e danos consequentes da crise climática em países vulneráveis.
A proposta aprovada estabelece que a gestão do Fundo deve respeitar os princípios da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima e do Acordo de Paris, com um processo decisório participativo e com representação dos países em desenvolvimento.
Além disso, o acordo estabelece que pelo menos US$ 100 bilhões sejam destinados ao fundo anualmente até 2030 – apesar de os países em desenvolvimento afirmarem que as necessidades reais estão mais próximas de US$ 400 bi a cada ano.
Ainda no primeiro dia da conferência, a União Europeia confirmou a destinação de cerca de US$ 245 milhões ao fundo e cinco países anunciaram suas contribuições iniciais:
Emirados Árabes Unidos (US$ 100 milhões);
Alemanha (US$ 100 milhões);
Reino Unido (US$ 76 milhões);
Estados Unidos (US$ 17 milhões);
Japão (US$ 10 milhões).
“Os anúncios das primeiras doações (...) trazem mais otimismo, ainda que o volume anunciado de recursos seja pequeno em relação às necessidades. Isso põe pressão para que outros países desenvolvidos também coloquem recursos no fundo. Ao mesmo tempo, por ser uma decisão sobre financiamento, ela também pode ter efeito sobre as discussões sobre outros itens relativos ao financiamento climático ao longo desta COP. Se esse momentum se confirmar, as chances da COP28 entregar resultados significativos aumentam consideravelmente”, analisa Bruno Toledo, professor de relações internacionais e analista do Instituto ClimaInfo, em comunicado à imprensa.
Todos os países em desenvolvimento terão acesso direto ao Fundo, inclusive através de entidades subnacionais, nacionais e regionais, e o financiamento será por meio de doações ou empréstimos altamente favoráveis, para não aprofundar o endividamento dos beneficiados.
Balde de água fria no otimismo
“A COP28 caminha para ser mais um fracasso.”
É assim que começa a carta aberta publicada na segunda-feira (04 de dezembro) e assinada por quase 1500 cientistas do clima que fazem parte do coletivo Scientist Rebellion – entre os quais estão autores do relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
No texto, eles confessam que passaram de preocupados, para alarmados e então aterrorizados com a situação que vivemos, e declaram que apesar de os líderes mundiais conhecerem os perigos da crise climática há décadas, não estão agindo para combatê-la.
Segundo os signatários, as soluções estão disponíveis; o que impede uma ação adequada são interesses instalados e poder consolidado – instituições, corporações e indivíduos ricos que se beneficiam do status quo destrutivo. “Precisamos eliminar rapidamente os combustíveis fósseis, mas a COP28 está sendo presidida pelo CEO de uma empresa de petróleo, ilustrando a profunda influência desse poder consolidado”, declaram.
O apelo ressalta a frustração dos cientistas com a falta de ação dos governos e convoca as pessoas a se tornarem defensoras ou ativistas climáticas, pressionando por políticas que garantam um futuro melhor.
“Como cientistas e acadêmicos, acreditamos que agora é necessário intensificar e participar de ações climáticas coletivas. Assim como milhares de pessoas ao redor do mundo, muitos de nós têm defendido e protestado por um mundo melhor de diversas maneiras, incluindo desobediência civil pacífica”, concluem.
A COP do Brasil em três atos
Até o momento, a participação do Brasil na COP28 teve sabor agridoce.
Inicialmente, as notícias e os planos que o Presidente da República e os demais membros da delegação brasileira em Dubai apresentariam indicavam que o país seguia firme no propósito de ser uma liderança climática:
Redução de 22,3% no desmatamento anual da Amazônia – maior queda em dez anos.
Proposta do Fundo Floresta Tropical para Sempre (FFTS), que, como explica a Agência Pública, tem o objetivo de destinar recursos para ajudar cerca de 80 nações detentoras de florestas (incluindo o Brasil) a preservá-las.
Plano de Transformação Ecológica que o jornal Valor Econômico definiu como ambicioso e que está dividido em seis eixos: finanças sustentáveis; adensamento tecnológico; bioeconomia; transição energética; economia circular; nova infraestrutura e adaptação.
A defesa do limite de 1,5 graus Celsius para o aquecimento global até 2030.
Mas aí veio o anúncio da adesão do Brasil à Opep+, o grupo estendido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo. E, na sequência, uma enxurrada de críticas.
Afinal, “Opep+ não é como se soletra Liderança Climática”, diz o comunicado que oficializou que o ‘prêmio’ Fóssil do Dia de segunda-feira (04) foi para o Brasil. Este “reconhecimento” é concedido diariamente durante a COP ao país que na ocasião mostrou estar “fazendo o máximo para alcançar o mínimo” em termos de progresso nas mudanças climáticas.
“A corrida do Brasil pelo petróleo mina os esforços dos negociadores brasileiros em Dubai, que estão tentando quebrar antigos impasses e agir com senso de urgência”, pontua a nota assinada pela Climate Action Network (CAN), rede que reúne dezenas de organizações socioambientais de todo o mundo.
Por fim, a CAN deixa um recado: “Brasil, não queremos fazer um tour por campos de petróleo quando estivermos em Belém em 2025 [em referência à COP30, que deve acontecer em solo brasileiro]. E, se você só quer entrar para um clube, então podemos sugerir que siga seu vizinho mais próximo, a Colômbia, assinando o Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis em vez da Opep+”.
Os planos da Colômbia em relação aos combustíveis fósseis
A Colômbia – segunda maior potência mundial em termos de biodiversidade – ainda tem cerca de 8% do seu Produto Interno Bruto (PIB) dependente das receitas do petróleo e da mineração. Apesar disso, no mesmo dia em que Lula anunciou a entrada do Brasil na Opep+, o presidente colombiano Gustavo Petro oficializou a adesão ao Tratado de Não Proliferação dos Combustíveis Fósseis.
A iniciativa, apoiada hoje pelo país latino-americano e nove nações-ilhas ameaçadas de desaparecimento por causa do aumento do nível dos oceanos, visa promover a “cooperação internacional para acelerar a transição para uma energia limpa para todos, acabar com a expansão do carvão, do petróleo e do gás e eliminar de forma equitativa a produção existente, de acordo com o que a ciência mostra ser necessário para enfrentar a crise climática”.
Ao explicar a decisão de entrar para o grupo, Petro disse:
“Alguns podem perguntar: por que o presidente deste país iria querer cometer suicídio com uma economia que depende de combustíveis fósseis? Estando aqui, tentamos impedir um suicídio, a morte de tudo o que está vivo, de tudo o que existe. Isto não é suicídio econômico. Estamos evitando o ‘omnicídio’ do mundo, do planeta Terra. Não há outra fórmula, não há outro caminho. Todo o resto é uma ilusão”.
O presidente colombiano declarou ainda que não irá firmar novos contratos de exploração de combustíveis fósseis. “Isso não significa que ficaremos sem petróleo, carvão e gás, porque já existem estes combustíveis em exploração e há muitos contratos de exploração em vigor. O que não queremos é que se expandam mais”, concluiu.
Vale a leitura: ‘Explorar petróleo na Amazônia é uma contradição em termos’, diz Petro na COP
Em entrevista a jornalistas brasileiros presentes na COP, Gustavo Petro analisou a postura de outros países da América Latina em relação à questão dos combustíveis fósseis, disse respeitar a decisão de Lula de entrar na Opep+, falou sobre como a suspensão de novos contratos de exploração de petróleo foi recebida na Colômbia e defendeu uma Amazônia livre de petróleo. A SUMAÚMA trouxe trechos da conversa nesta reportagem.
O elefante na sala
No domingo (03), o jornal britânico The Guardian revelou que o presidente da COP28 disse que não há evidências científicas que justifiquem o corte de combustíveis fósseis para controlar o aumento da temperatura global.
No dia seguinte, esse assunto dominou as rodas de conversas em Dubai e também o noticiário internacional. E não podia ser diferente, uma vez que a declaração surge em meio aos debates sobre o que o relatório final da conferência vai trazer em relação a essa que é uma questão fundamental no combate à crise climática, já que 75% das emissões responsáveis pela crise que vivemos vêm dos combustíveis fósseis.
Em entrevista ao mesmo The Guardian, o ex-vice-presidente norte-americano e ativista climático Al Gore declarou que só há uma medida de sucesso para a COP28: incluir ou não um compromisso de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. “Se incluir tal compromisso, será um sucesso retumbante; caso contrário, será um fracasso”, analisou.
Um texto preliminar do relatório final da conferência divulgado ontem (terça, 05) e que vai servir de base para as negociações entre quase 200 países, mostra que os negociadores estão considerando a possibilidade de pedir uma eliminação ‘ordenada e justa’ dos combustíveis fósseis.
Além dessa possibilidade, o documento traz outras duas: a segunda – mais alinhada com as evidências científicas – propõe esforços acelerados para a eliminação progressiva, com emissões líquidas zero em 2050; e a terceira fala em simplesmente não tocar no assunto.
Seguiremos acompanhando o avanço das negociações e na próxima edição da Newsletter do Farol compartilharemos os destaques do relatório final.
Empoderamento sem participação é mesmo empoderamento?
Na segunda-feira (04/12), 68 países presentes na COP28 assinaram uma parceria para apoiar o empoderamento econômico das mulheres e garantir “uma transição justa e sensível ao gênero”.
Com um pacote de medidas de três anos, o documento indica a importância de enfrentar o impacto desproporcional da perda de empregos relacionados ao clima pelas mulheres e incentiva líderes e instituições globais, regionais e locais a agir em cinco áreas principais:
Promover e priorizar a produção de dados de gênero e ambientais de maneira ética e transparente;
Acelerar o uso e a adoção de dados de gênero e ambientais para tomada de decisões, desenvolvimento de programas, monitoramento, pesquisa e defesa;
Financiar e investir na produção e uso de dados de gênero e ambientais;
Garantir que os processos de governança de dados e estatísticas nacionais, regionais e globais sejam inclusivos;
Construir e fortalecer parcerias multipartidárias para dados de gênero e ambientais.
Onde mora o perigo
Apenas 15 dos 133 líderes de governo que participam da COP28 são mulheres. Ou seja, a representação de lideranças femininas na cúpula global do clima é de apenas 11%.
A pergunta que fica é: se esse número fosse maior, será que o documento apresentado visando apoiar o empoderamento econômico das mulheres e garantir uma transição justa e sensível ao gênero não seria melhor para elas?!
Os pronunciamentos feitos por algumas mulheres nos últimos dias dão a entender que sim…
“A luta contra as mudanças climáticas requer um esforço verdadeiramente global e inclusivo de gênero. É hora de romper o teto de vidro verde e garantir que as vozes das mulheres não apenas sejam ouvidas, mas estejam no centro da narrativa da justiça climática. A sobrevivência do planeta depende disso, assim como o bem-estar de cada pessoa, independentemente de seu gênero”, analisam as ativistas e líderes indígenas Brianna Fruean, Hilda Flavia Nakabuye e Txai Suruí em um artigo publicado na revista Context.
“Mais uma vez, o tapete vermelho está sendo estendido para os líderes masculinos na COP, e os homens dominam entre os negociadores seniores. Como vamos alcançar um resultado justo nas negociações climáticas com tamanha desigualdade no topo? Mulheres e meninas são as mais afetadas pelas mudanças climáticas, mas são silenciadas. Invisíveis. Isso precisa mudar”, analisa Helen Pankhurst, Assessora Sênior de Igualdade de Gênero na CARE International UK, disse, em nota enviada à imprensa.
Por fim, Minal Pathak, uma das diretoras científicas do IPCC, destaca: “intensificando-se o acesso e participação política das mulheres, a ação climática ganha força. Países onde as mulheres têm uma voz mais forte – uma voz mais política – impulsionam a ação climática mais rapidamente”.
Vale a leitura:
Fe Cortez, comunicadora, ativista e fundadora do movimento Menos 1 Lixo escreveu este artigo sobre o que seria diferente na COP28 se as mulheres estivessem na liderança.
Pensamentos que ecoam e iluminam
“Não dá para falar sobre crise climática sem colocar mulheres pretas e indígenas na mesa de discussão. Não dá para ser ambientalista sem ser antirracista. E quando a gente trata de justiça climática, é muito importante frisar essa parte, porque foram os países colonizadores, do norte global, que no seu sistema de dinâmica do mundo exerceram grande parte desses desafios que a gente está vivendo hoje. A gente tem responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Ou seja, todo mundo vai sofrer a crise do clima, mas temos grupos específicos que já estão sofrendo esses principais impactos. E esses grupos específicos precisam de suporte, mas sem ter a sua narrativa e sem ter o seu lugar de fala usurpados.”
Amanda Costa, ativista climática
Farol Recomenda
[Podcast] Economia do Futuro
Este episódio do Podcast Economia do Futuro é um ótimo boletim sobre os primeiros dias de COP28. A apresentadora Melina Costa, baseada em Berlim, conversa com Sérgio Teixeira Jr., editor do Reset, que está em Dubai. Os dois falam sobre a operacionalização do fundo de perdas e danos, comentam a passagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na conferência e debatem como pode ter muito “COPwashing” decorrente da avalanche de anúncios voluntários.
[Instagram] Natalie Unterstell
Não entendeu direito se uma notícia que leu sobre a COP é positiva, negativa ou neutra? Pode ser que você encontre a resposta no Instagram da Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa que está em Dubai e vem “traduzindo” as informações mais importantes em posts superdidáticos. Vale a pena seguir.
[Vídeo] O que importa
Quase metade das crianças do mundo – 1 bilhão do total de 2,2 bilhões – vive em condições de risco climático extremamente elevado, em áreas sujeitas a enchentes, ondas de calor e outros fenômenos severos, segundo o UNICEF. Estima-se que mais de uma em cada quatro mortes de crianças com menos de 5 anos esteja direta ou indiretamente relacionada a riscos ambientais.
O Alana, organização que atua em prol dos direitos de crianças e adolescentes, alerta que, até o momento, nenhuma decisão tomada no âmbito da COP teve como foco a proteção desse público frente à crise climática. Atualmente, apenas 2,4% dos principais fundos climáticos multilaterais apoiam programas que levam crianças e adolescentes em consideração.
Essas duas organizações estão por trás do projeto “O que importa?”, que convidou crianças de 12 países a contarem sobre como suas vidas vêm sendo impactadas por eventos climáticos extremos e a proporem soluções.
Esta semana no Farol
Cobertura diária da COP28
Um dos principais objetivos do Farol da Economia Regenerativa é iluminar o que realmente importa no caminho de quem deseja contribuir para a construção de uma economia mais justa, equitativa e, claro, regenerativa. Nestes dias de COP, nossos esforços estão 100% voltados para fazer uma curadoria das principais notícias que afetam esses planos. Acesse nossa plataforma e confira!
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