Farol #19 John Elkington: “É preciso redesenhar os mercados e moldar o que as empresas fazem”
Em entrevista exclusiva, “pai” da sustentabilidade corporativa fala sobre conflitos geracionais, por que o ESG se tornou político e o que aprendeu em 50 anos “fazendo cócegas em tubarões”
Disclaimer: Normalmente, quem assina o Editorial da Farol* sou eu, Natasha Schiebel (Diretora de Conteúdo d’A Economia B). Mas, recentemente, o João Guilherme Brotto (meu sócio – e marido 😊) entrevistou o John Elkington (autor do conceito Triple Bottom Line e conhecido como “pai” da sustentabilidade corporativa), e precisa contar essa história. Então, passo a bola pra ele… 😊
Cobrir diariamente o mercado de sustentabilidade e ESG é, muitas vezes, um exercício de administrar a raiva, a frustração e a vergonha alheia.
O LinkedIn, a rede da biscoitagem corporativa, é um festival de autocelebração e tapinhas nas costas entre colegas. Por lá, muitas empresas se revelam ao comemorar (aparentes) grandes esforços, quando na verdade estão apenas entregando o greenwashing da vez.
Salvo exemplos isolados, o mercado não é capaz de responder à urgência dos problemas socioambientais porque isso é antinatural à sua essência. E o problema dos exemplos isolados é que eles dificilmente acabam passando disso, quando o que mais precisamos é de conscientização em massa e colaboração radical.
É o que Vinicius Machado, sócio da Decah (consultoria que trabalha com impacto e regeneração), definiu muito bem em uma conversa que tivemos recentemente. “Instituições ou metodologias autorais não vão resolver problemas complexos sozinhos. Precisamos de colaborações entre antagônicos, vilões e guardiões da solução.”
Uma visão radical?
Desde que entendi que vivemos uma emergência climática, há pouco mais de cinco anos, concluí que não seria mais possível fazer jornalismo sem colocar essa urgência no contexto. Foi dessa implosão interna que A Economia B surgiu.
Ao longo desses anos, passei a estudar diversos temas que cercam a economia regenerativa. Não demorou para essa jornada me levar à óbvia constatação de que é imperativo repensar a forma como o mundo produz, consome e distribui.
Os detalhes disso podem ser melhor apresentados em futuros textos e até em um livro, quem sabe. Mas, em poucas palavras, tem a ver com fazer a economia circular se tornar regra em todos os mercados, transformar setores para que cumpram papéis que respondam às causas e consequências da mudança do clima, extinguir indústrias nocivas e repensar a lógica insustentável de ter o PIB e o faturamento do setor privado como métricas de sucesso econômico – simplesmente porque não há crescimento infinito em um planeta com recursos finitos.
É uma visão que pode ser considerada radical para muitos, mas que vem da compreensão de que não existe alternativa.
Crescer continuamente é uma ideia que nos é vendida desde sempre como o único caminho possível, mas que esconde que, para isso acontecer, a maioria tem que se dar mal.
Essas duas imagens resumem a correlação entre a influência humana, o crescimento econômico e o aquecimento global. Elas só não mostram quem fica pra trás nessa história
Sinto que a gente vive em uma espécie de cegueira coletiva que é sustentada porque os que estão no topo sempre estiveram confortáveis e (sentem que) sempre estarão. Ainda assim, a emergência climática, cedo ou tarde, pode pegar de surpresa até mesmo os que vendem delírios marcianos, malabarismos meritocráticos ou negacionismos variados.
Já tem mais de 50 anos que a ciência escancara uma verdade: desde a Revolução Industrial, a Terra começou a esquentar a índices sem precedentes. E isso tem se agravado e intensificado ano após ano, há mais de um século e meio, com uma curva ascendente nas últimas cinco décadas. O resultado disso não tem a ver somente com mudanças no clima, mas com desigualdades perpetuadas. Tudo está conectado!
O filme Don't Look Up (Não olhe pra cima, Netflix, 2021), uma sátira ao negacionismo climático, cumpriu muito bem o papel de fazer essa verdade ser mais nítida do que o gelo derretendo e do quanto a ciência é subjugada quando deveria estar no centro das decisões econômicas.
Montagem editada a partir de uma cena de Não olhe pra cima, em que os cientistas tentam explicar a magnitude do problema ao governo dos EUA.
Redesenhar os mercados e moldar o que as empresas fazem
Recentemente, como a Natasha adiantou, tive a oportunidade de entrevistar John Elkington.
Caso você não o conheça, Elkington é um dos maiores pensadores sobre sustentabilidade corporativa do mundo. Hoje, aos 75 anos, é sócio-fundador e Chief Pollinator da Volans, consultoria que “integra pensamento voltado para o futuro, sustentabilidade e inovação na estratégia corporativa”.
Em seu site oficial, ele é apresentado como um embaixador do futuro. Escreveu 21 livros, entre os quais “Canibais com garfo e faca”, publicado em 1997. O título é baseado em um poema do poeta polonês Stanislaw Lee, que questiona: “É progresso se um canibal usar um garfo?”.
Foi há quase 30 anos que Elkington trouxe ao mundo neste best-seller o conceito Triple Bottom Line (TBL). Ou seja, a ideia de que as empresas devem ir além da busca por lucros financeiros e considerar também seus impactos sociais e ambientais. Também conhecido como Tripé da Sustentabilidade, o TBL é uma das bases do que hoje se entende por ESG.
Em 2020, publicou Green Swans: The Coming Boom In Regenerative Capitalism. Baseado nos eventos raros e imprevisíveis com impactos significativos apresentados em A lógica do Cisne Negro – O impacto do altamente improvável, de Nassim Nicholas Taleb, Elkington define como cisnes verdes as soluções inovadoras e sustentáveis que podem gerar mudanças positivas e sistêmicas na sociedade, economia e meio ambiente.
E, agora, acaba de lançar Tickling Sharks – How we sold business on sustainability. Neste, que é seu primeiro livro autobiográfico, John Elkington faz um resumo sobre o que aprendeu trabalhando mais de 50 anos, como ele mesmo me disse, “falando com pessoas muito poderosas sobre coisas que elas não querem ouvir”.
A entrevista aconteceu em Amsterdam, em maio deste ano, durante o B For Good Leaders Summit. Na ocasião, John Elkington participou de um painel com Rutger Bregman sob a moderação de Isabelle Grosmaitre, fundadora e CEO da Goodness & Co, empresa B francesa que se posiciona como uma consultoria que ajuda organizações a se reinventarem para um futuro melhor.
Os três conversaram sobre desconfortos pessoais e desafios da liderança regenerativa. Em uma de suas falas, John compartilhou um drama pessoal:
A cada cinco ou seis anos eu tenho um colapso. Me sinto como uma lagarta entrando em um casulo e algo diferente saindo ao longo do tempo. Estou passando por um desses momentos agora. É intensamente emocional, porque de repente percebo que as coisas que venho fazendo há bastante tempo não estão tendo o impacto que gostaria que tivessem.
(…) Acho que, nestes momentos da nossa história coletiva, quando tudo está mudando a uma velocidade extraordinária, você não pode ter apenas uma epifania, precisa ter múltiplas, e múltiplas a cada cinco anos é bastante.
Esse depoimento foi um dos fios condutores da entrevista que fizemos algumas horas depois do painel.
Além de questioná-lo sobre suas crises internas cíclicas, também perguntei a ele sobre a politização da agenda ESG, sobre conflitos geracionais, ansiedade climática e seu novo livro, Fazendo cócegas em tubarões, em tradução livre.
É uma conversa leve que flui entre esses e outros assuntos e que traz muita coisa para pensar e fazer a partir da simplicidade característica de quem já viu e viveu de tudo sobre um assunto.
Uma das falas que mais me marcou foi a que leva o título dessa matéria.
Mais do que um desabafo, senti um misto de frustração e decepção por ele, talvez, perceber que não apenas seu trabalho, mas tampouco a comprovação científica de que o modo como vivemos e consumimos está colapsando ecossistemas e colocando em risco a própria vida humana, serviu para colocar o sistema econômico nos trilhos de uma economia regenerativa.
A saída, ele deixou claro, é uma só. “Estou cada vez mais concluindo que a única maneira de seguir em frente é começar a redesenhar os mercados e moldar o que as empresas fazem.”
John Elkington resumiu, em uma frase, o que eu quis dizer quando falei sobre a visão “radical” que passei a ter quando entendi a emergência climática além do aquecimento global.
Entre tantos questionamentos que ficam, uma reflexão importante é que a sua empresa não está fazendo sua parte apenas porque criou um comitê ESG, porque faz doações ou porque é um lugar decente para se trabalhar. A gente precisa ir mais fundo.
João Guilherme Brotto
Cofundador A Economia B
PS: Se quiser fazer algum comentário, dar uma sugestão de pauta ou só trocar uma ideia, fique à vontade para escrever pra gente: natasha@aeconomiab.com ou joao@aeconomiab.com
*Farol é a newsletter d’A Economia B.
Anteriormente, na Farol…
💡Farol #18 Inteligência Ancestral e um giro por Amsterdam e Madrid
💡Farol #17 E se os combustíveis fósseis não fossem subsidiados?
Deu n’A Economia B
🌎 Gêmeo digital da Terra promete ajudar a prever e combater mudanças climáticas
Com capacidade de analisar o passado, monitorar o presente e prever o futuro, DestinE será usado para ajudar a Europa a responder de forma mais eficaz a desastres naturais, adaptar-se às mudanças climáticas e avaliar os potenciais impactos socioeconômicos e políticos de eventos extremos
♻️ Governo Federal institui programa de certificação sustentável
Programa Selo Verde Brasil visa aumentar a sustentabilidade nas cadeias produtivas brasileiras e ampliar a competitividade de produtos que atendam a critérios socioambientais
🌫️ Big techs formam coalizão para escalar projetos de remoção de carbono
Fundada por Microsoft, Meta, Google e Salesforce, a Coalizão Symbiosis visa adquirir até 20 milhões de toneladas de créditos de carbono de projetos baseados na natureza até 2030
🥵 Ferramenta auxilia agricultores australianos a entender riscos das mudanças climáticas
My Climate View fornece projeções climáticas específicas para regiões da Austrália até 2070, ajudando agricultores a se preparar para lidar com os efeitos das mudanças climáticas em suas produções
💡 Meta de triplicar energia renovável até 2030 está em risco, diz IEA
Estudo da Agência Internacional de Energia revela que 180 países não possuem metas relacionadas à energia renovável em seus compromissos climáticos
👨🏭👩🏭 GRI anuncia revisão de padrões de trabalho
Atualizações anunciadas pela Global Reporting Initiative abordam proteção de dados, remuneração justa e condições laborais, e visam melhorar a transparência sobre condições de trabalho e direitos humanos
Você sabia que…
… estima-se que, entre 2000 e 2019, 5 milhões de pessoas morreram prematuramente anualmente devido a causas relacionadas ao frio ou ao calor? Isso equivale a 9,4% de todas as mortes – ou seja, quase uma em cada dez.
Porém, por mais que temperaturas extremas afetem a população de maneira geral, existem grupos que são mais vulneráveis ao calor e/ou ao frio extremo. Identificar esses grupos é essencial para ajudá-los a lidar melhor com esses cenários.
E é justamente isso que o Forecaster.health, uma ferramenta desenvolvida pelo Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), oferece.
[Cobertura internacional] O grande desperdício de talentos e a ambição moral
Você provavelmente já viu Utopia para Realistas (2014) em alguma livraria por aí. A obra, que fala sobre renda básica universal, semana de trabalho de 15 horas e abertura de fronteiras, se tornou um fenômeno global e colocou o historiador holandês Rutger Bregman no mapa dos jovens grandes pensadores da atualidade. Em 2021, o João Guilherme Brotto escreveu uma matéria sobre renda básica universal muito inspirada nas ideias do livro. Você pode ler aqui.
Rutger, que também escreveu o best-seller global Humanidade – Uma história otimista do Homem (2020), além de outros seis livros que só foram publicados em holandês, foi o principal palestrante do primeiro dia do B For Good Leaders Summit 2024. O tema de sua apresentação foi um spoiler do seu próximo livro: “Ambição Moral: pare de desperdiçar seu talento e construa um legado que importa”.
Neste artigo, João compartilha os principais insights da palestra e detalha os três ingredientes da ambição moral:
1) Uma nova definição de sucesso: o caminho para combater o desperdício de talentos
2) Foco no máximo impacto e a ganância moral
3) Priorização implacável: não siga sua paixão
Pensamentos que iluminam e ecoam
“Quais são os problemas que são muito mais negligenciados até do que a mudança climática? Frequentemente observo em comunidades de realizadores como esta que o meio ambiente está tomando toda a atenção. Não me interpretem mal, estou muito preocupado com a mudança climática e muito feliz que muitas pessoas estejam trabalhando nisso, mas há outras coisas que também precisam de atenção, como a malária, que mata 600 mil crianças todos os anos. Pense em algo como a próxima pandemia, isso também é realmente importante para trabalhar. Essa é uma maneira de gerar o maior impacto.”
Rutger Bregman,
em palestra no B For Good Leaders Summit 2024
Farol Recomenda
[Podcast] Tendências ESG 2024 – S de social
Em uma das últimas edições da Farol, contei que a Célia Linsengen, apresentadora do podcast Tendências de Mercado e Consumo, tinha decidido fazer uma série de episódios sobre tendências ESG e que o Estudo B #6 era uma das principais fontes do conteúdo do primeiro episódio, sobre tendências ambientais – você pode ouvir aqui.
O segundo episódio – de tendências impulsionando o S do ESG – entrou no ar recentemente. Nele, Célia fala sobre como o impacto social das empresas pode contribuir para uma sociedade mais justa e sustentável, e aborda os seguintes temas:
1. Transparência e resiliência da cadeia de suprimentos
2. Requalificação de colaboradores
3. Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI)
É mais um episódio que tem nosso relatório mais recente como fonte de informação. :)
[Livro] Economia Circular em direção a um futuro sustentável
Este é um daqueles livros para ir lendo com calma, com um caderninho do lado e fazendo várias anotações. Com capítulos assinados por especialistas de diversas áreas, o livro ajuda a esclarecer os principais pontos relacionados à economia circular, abordando temas como:
Logística reversa;
Adoção da economia circular em empresas industriais;
Desafios e possibilidades da Economia Circular no Brasil;
Design de embalagem no contexto da economia circular;
Circularidade para a transição rumo à economia de baixo carbono;
Economia circular aplicada à arborização urbana;
Ecodesign.
[Revista] Inovação: Um mosaico para impulsionar mudanças
“Por que falar de inovação nestes tempos que esvaziaram tanto o sentido dessa palavra? Como abordar esse tema, com múltiplos olhares, para impulsionar mudanças efetivas e sustentáveis?”
Essas são as perguntas que a nova edição da Revista Appana busca responder.
Para isso, a publicação conta com artigos que abordam temas como a coragem necessária para inovar, como construir uma cultura de inovação e o papel das pautas de ESG e sustentabilidade para impulsionar a inovação.
Além disso, o artigo do João Guilherme Brotto sobre a era do grande desperdício de talento e a ambição moral também está lá.
Para continuar pensando…
[via exame] Quaker lança "Arroz" de Aveia e reverte 100% do lucro para o combate à fome
[via The Wall Street Journal] Go woke or go broke? Not a chance, say Ben and Jerry
[via The Guardian] Adults doubted us. We found a way to shrink emissions at our middle school anyway
[via The Washington Post] We’ve been accidentally cooling the planet — and it’s about to stop
[via AP] A big boost for a climate solution: electricity made from the heat of the Earth
[via The New York Times] The Vanishing Islands That Failed to Vanish
[via Forbes] Should There Be A ‘T’ In ESG?
[via euronews] ‘Built for years, not for seasons’: Why Patagonia believes going out of fashion is good for business
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